Direito Internacional Privado

Direito Internacional Privado – Convenções de Haia


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Dualidade de Competências – Residência e nacionalidade

A convenção de 1961 atribuiu às autoridades judiciárias e administrativas dos Estados contratantes competência genérica para que este tome as medidas necessárias à proteção da pessoa da criança ou de seus bens, sempre que esta criança tenha sua residência habitual fixada naquele Estado e, competência para a aplicação da lei do estado de que a criança for nacional sempre que tal Estado entender que o interesse do menor assim o exige, e que a medida de proteção decorrente da lei interna desse Estado devendo esse Estado comunicar essa decisão ao Estado da residência habitual da criança e tal medida será reconhecida em todos os Estados contratantes.

A ausência de regras a respeito do reconhecimento e da execução de tais decisões a respeito de medidas de proteção tornou incompleta a convenção, impossibilitando uma aplicabilidade prática condizente com as necessidades a que se dispôs regular.

Essa Convenção não se preocupa em regular apenas a tutela, especificamente, mas faz referências genéricas às medidas de proteção, refletindo certo avanço na consideração da condição da criança enquanto sujeito de direitos, na esteira da Declaração Universal dos Direitos da Criança, permitindo a repartição de competência, por exemplo, no que concerne à regulação do exercício do poder familiar quando os pais se separam.

A revisão da Convenção de 1961 deu origem, em 1996, à Convenção sobre competência, lei aplicável, reconhecimento, execução e cooperação em matéria de poder familiar e de mecanismos de proteção das crianças, cujo objeto consiste em determinar a competência dos Estados no que concerne à tomada de medidas tendentes à proteção da pessoa das crianças e à proteção de seus bens, além de se designar a lei que deverá ser aplicada por estes Estados, considerada competente, para o estabelecimento de tais medidas. Também é estabelecida a lei aplicável à regulação da

autoridade parental, cuja extensão é trazida pela Convenção sobre os Direitos da Criança.



O principio da proximidade

O Principio da Proximidade se faz presente na Convenção sobre Nacionalidade de Haia, 1930 e decorre do entendimento que prevalece a nacionalidade de fato (laços de fato), disposto em seu art. 5º que se reconhece tanto a nacionalidade do país onde o binacional tem sua residência atual quanto a nacionalidade do país ao qual, de fato, o binacional pareça mais ligado, (most significant relationship) chegando a essa decisão por meio de análise circunstancial da vida do mesmo. A nacionalidade então vem a ser um laço jurídico que tem na sua base um fato social de conexão, uma solidariedade efetiva de existência, de interesses, de sentimentos ligada a uma reciprocidade de direitos e deveres entre a pessoa e o Estado (DOLINGER, 2005). Esse princípio foi incorporado não só em Tratados Internacionais mas também em leis locais, como a Lei de DIP da Suíça (1987), que estabelece, no artigo 1º. que, salvo se as partes acordarem sobre a escolha da lei aplicável (art. 2.º), "O direito designado pela presente lei não será aplicado se, excepcionalmente, o objeto estiver, tendo em vista todas as circunstâncias, vinculado de modo fraco (slightly connected) com esta lei e demonstre um vínculo mais estreito (much a stronger connection) com uma outra lei".





Competência jurídica (pátrio poder-dever) e competência jurisdicional (medidas de proteção)

As convenções sobre proteção cuidam da competência judicial e da competência legislativa. Sendo que trata da lei aplicável às relações de pai e filhos – pátrio poder/dever – competência jurídica – e a lei aplicável pelas autoridades na administração de medidas de proteção- competência jurisdicional.

A segunda convenção determinou para a autoridade/responsabilidade parental a lei de residência habitual da criança e para as medidas protetivas, fixou a competência das autoridades do país de sua residência habitual com suas próprias leis, e nesse caso a competência da lei de nacionalidade se reserva aos casos excepcionais e em concordância com as autoridades competentes.

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Competência do foro do divórcio

A Convenção sobre o reconhecimento de divórcios e separações, de 1970, visa facilitar o reconhecimento das decisões concessivas de divórcios e separações, sejam elas de origem judicial ou de qualquer outra origem reconhecida e legalmente conforme ao ordenamento do Estado parte que as concede, em todos os Estados parte na convenção em relação aos quais os ex-cônjuges tenham interesse que tais decisões produzam efeitos. Escapam ao escopo da convenção, decisões acessórias como a guarda de filhos e as condenações de ordem pecuniária derivadas de aspectos pessoais.

Como ressalta DOLINGER, a convenção está impregnada do princípio favor divortii, que ao fim e ao cabo tem por objetivo básico o favor matrimonii, porquanto a intenção precípua da convenção seja facilitar o reconhecimento das decisões que põe fim ao vínculo matrimonial e que autorizam afinal a convolação de novas núpcias àquele que se divorcia.

O Estado que concede a separação ou o divórcio é chamado pela Convenção de Estado de origem (da decisão que se quer reconhecer) e para que sua decisão possa ser reconhecida de forma satisfatória pelos demais Estados contratantes, é preciso que este seja considerado, pela convenção, como competente para pronunciar a decisão à qual se busca reconhecimento. Assim, se determinado Estado contratante considera-se, segundo suas regras internas de distribuição de competência, apto a proferir determinada decisão judicial, administrativa ou de outra origem qualquer, poderá ocasionar dificuldades, à luz da convenção, para o reconhecimento de tal decisão.

Segundo o art. 2 da convenção, a regra geral é que a decisão deverá ser reconhecida pelos demais Estados contratantes se o réu possuir ali a sua residência habitual..

Por fim, a convenção aceita que seja pronunciado o divórcio ou a separação se o autor do pedido for um nacional deste Estado e se ele estiver presente neste Estado de origem da decisão no momento da propositura da demanda. Além disso, é imprescindível que os cônjuges tenham tido, como última residencial habitual comum, um Estado que, no momento do pedido, não desconhecesse o instituto do divórcio.

Esta convenção apresenta, ainda, regras a respeito da possibilidade de que o Estado em que se requer o reconhecimento do divórcio ou da separação proveniente do Estado de origem, recuse tal reconhecimento. Obviamente, não se trata de uma possibilidade de recusa ilimitada, mas sim de cláusulas fechadas, exaustivas. Mas isso não impede que o Estado aplique regras menos rigorosas, reconhecendo um divórcio ou uma separação que, à luz da convenção, poderia ter sido recusado.



Aplicação do princípio da ordem pública

A única possibilidade de se afastar a aplicação da lei estrangeira mandada aplicar ao abrigo da convenção diz respeito à eventual ofensa que esta possa causar à ordem pública do foro. Cumpre fazer referência ao fato de que as disposições da convenção se aplicam independentemente de reciprocidade, podendo mesmo recair sobre a aplicação de uma lei estrangeira relativa a um estado não contratante da presente convenção.

É interessante notar que um desses fatores (art. 20) diz respeito à concepção de direitos humanos do Estado em que a criança se encontra, o que pode levar o intérprete a acreditar que se trata de exceção de ordem pública vigente no Estado requerido. Dessa forma, tal Estado se recusaria a cumprir a ordem de imediato regresso da criança a seu Estado de origem. Todavia, uma interpretação histórica permite concluir que não é disso que se trata, uma vez que a exceção de ordem pública fora proposta quando das negociações e retirada, logo em seguida, diante da diversidade de culturas e filosofias envolvidas na questão, o que dificilmente garantiria a aprovação de tal exceção.



Pluralidade de nacionalidade



Cooperação internacional

Deve-se considerar que a Convenção de Haia de 1980 viabilizou importante mecanismo jurídico, através da cooperação entre os Estados membros, que já contribuiu para solução de milhares de casos de subtração ou retenção indevida de crianças, servindo para o desestímulo da conduta de subtração dos menores de idade do ambiente familiar e social ao qual estavam inseridos. Deve sim a Justiça Federal prestar absoluta prioridade aos processos envolvendo transferência ilícita e/ou retenção indevida de menores. Neste caso vale a máxima recomendação ao legislador de “não mexer com o que está quieto”.



Cooperação Internacional



Entre os países contratantes o que é mais importante na efetiva aplicação dos tratados firmados é a cooperação na aplicação dos mesmos. O principal ponto no que se refere a proteção dos direitos de crianças é a comunicação e cooperação entre o país de residência habitual e o de nacionalidade do menor. Nesse sentido, Rodas (2007) salienta,

Outra questão a salientar é que as Convenções Internacionais são comumente vinculativas de Estados que reciprocamente tenham aderido a elas, o que significa dizer que se a adoção em questão for travada entre o Brasil e um Estado que não tenha ratificado a Convenção da Haia de 1993 por certo representará um processo de adoção falho, à luz das disposições da Convenção que prevê, em seu bojo, uma cooperação internacional para o bom andamento e a regularidade do procedimento segundo as recomendações da doutrina e da comunhão internacionais. (RODAS, 2007)



No caso citado, é aplicável, então, as disposições do Estatuto da criança e do adolescente, legislação nacional. A necessidade de cooperação internacional torna-se evidente quando se cogita da possibilidade de subtração internacional de uma criança por um de seus pais: o pai ou a mãe que permanecer no Brasil, sem a criança, normalmente estará integralmente dependente da ajuda de uma autoridade estrangeira, seja no Canadá, no Chile ou na Alemanha, para descobrir o paradeiro da criança e assegurar o retorno da mesma.



Convenção de Haia sobre proteção Internacional de Adultos

A décima oitava sessão diplomática, de 1996, e a Comissão Especial Diplomática, de 1999, que desembocaram, respectivamente, na assinatura das Convenções sobre a proteção das crianças e dos adultos incapazes não contaram com a participação de delegações nem de observadores brasileiros. Concluiu-se em 2000 na Haia a Convenção Sobre a Proteção internacional do Adulto.



O país competente é aquele onde o adulto tem sua residência habitual, podendo ser também a autoridade do país onde ele se encontre refugiado ou deslocado, sendo subsidiariamente competente a autoridade do país de sua nacionalidade prevendo a convenção de um sistema de comunicação entre as autoridades dos diversos países onde o adulto esteja ligado. (DOLINGER, 2005)




BIBLIOGRAFIA

DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 8ª Rio de

Janeiro: Renovar, 2005.



RODAS, João Grandino. A Conferência da Haia de direito internacional privado : a participação do Brasil / João Grandino Rodas; Gustavo Ferraz de Campos Mônaco. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007.